Ode ao 03.
...na roleta, a gárgula barroca feita de banha e osso. O shortinho jeans sublinhando celulites e veias varicosas, a blusinha branca cobrindo apenas metade da barriga, a outra revelando o piercing róseo no umbigo. Dois, três meninos em cada braço. Suor, choro, fungadas, soluço, língua lambendo a boca pra limpar o catarro. Ela senta, as crias se aninham em seu entorno. Passo direto para o fundo do ônibus, consigo sentar, primeiro sinal de esperança da rotina diária. Ônibus lotado. Não se demora até que o cheiro quente de uma boa bufa lhe ourice os ríspidos pêlos nasalares. Do meu lado, o comentário sutil e educado: - Cagaram nessa porra! Rio em silêncio. 07h10 da manhã, o cheiro de cana rasga o último resquício da brisa matutina e enobrece o ambiente. – Tá afim, boy? Recuso, mas me sinto lisonjeado. O café da manhã dos campões não é digno de qualquer um. Gatinha, você gosta mais de red label ou ice? O pinta liga o celular e quebra a esfera melancólica. As piriguetes se denunciam balançando o joelho. Hora de descer, puxo a corda e peço parada. Mais uma vez a batalha até a porta de saída. Braços, pernas, sovacos, empurrões e dedadas – levo umas, mas dou outras. O toma lá da cá da vida em sua expressão mais precisa. Evito, mas encoxo tudo aquilo que me cabe. Não existe pecado num ônibus lotado. – Licença, licença. – Vai descer, pé de chumbo! Desço. Mãos nos bolsos. Celular e carteira em seus respectivos lugares. Mais um dia de bênçãos, mais um dia de bênçãos...