segunda-feira, 17 de agosto de 2009

2

Mais birita, comprimidos e substâncias parasitas. No quarto, o balé orgiatico dos corpos encena os rituais dionisíacos. Três caras e duas góticas branquelas meio rechonchudas, conas novinhas e vermelhas. Roupas pretas, crucifixos, all-stars, maquiagem e toda aquela rebeldia sustentada pelos pais. Penso em aderir à coreografia, mas ainda não estou chapado o suficiente pra ficar nu na frente de outros caras. Limito-me a beber e observar. Fodem feito loucas, com um certo frenesi doentio, como se a existência dependesse daquelas picas; sexo catártico, como se expulsasse alguma coisa da mente - talvez as merdas que leram de punheteiros como Byron e Kafka. Cavalgadas e estocadas nirvânicas. As formas de Platão provavam sua perfeição ao se encaixar umas nas outras. Suor e sêmen se entrelaçam na dança ascética do corpo, ele não é mais objeto da ótica divina – é vivido do ponto de vista da língua, dos olhos, dos pêlos(,) da buceta(,) do pau(,) da gruta(,) do nariz... A celebração da carne sendo consumada.

Algo acena pra mim no escuro do outro canto do quarto, vou até lá. Vejo Dioniso, uma corda na janela o enforca - o capital lhe impôs outra máscara. Dou-lhe um gole de birita, por um instante muda-se o seu aspecto decrépito. Fausto de épocas esquecidas. Os deuses desceram do Olimpo novamente, fizeram-se imagem e semelhança do homem. Tiro sua máscara. Compartilho a garrafa enquanto assistimos os momentos finais da transa.Dioniso conta-me seus segredos, o deus da antigüidade está gordo e cansado; ateu, hoje pensa em procurar um emprego, ou um analista, está esquecido em meio aos escombros da história. Chapa-se de roupinol e comprimidos baratos. Veste-se feito um hippie com sandálias havaianas. Não preciso de um deus tão fudido quanto eu. Saio do quarto e deixo-lhe com a birita e alguns cigarros...

sábado, 8 de agosto de 2009

1

- Cara, acho que vou à Igreja – falou o gordo ao aspirar a neve que enfeitava o prato. A comédia humana – Balzac ria em sua tumba. O jogo manjado da vida, a busca por uma ilusão conveniente. Phármakos, futebol, sexo, amor, deus, conhecimento, arte, beleza, bondade – signos de uma identidade imutável... a busca por sentido, a busca por sentido – o apanágio de nossas vísceras. Na brevidade do sopro a que chamamos vida, a única opção é escolher.

Ah, desculpem não apresentar o gordo. Falemos um pouco mais dele, esse personagem ímpar que perambula nas madrugadas da ZN. O gordo é um cara normal, a única diferença é que quando ele bebe, quer bater em todo mundo. Basta ficar bêbado e alguém ter o azar de cruzar o seu caminho que ele vai atrás e quebra de pancada. Há no gordo o ódio sincero que sentimos uns pelos outros, seu contrato social é firmado com quem tiver o álcool. Ele, assim como eu, não tem muita ‘tolerância’ com a cambada de cretinos (como diria Holden Caufield) que compõem os pseudo-personagens de pseudo-grupos de pseudo-tribos que vivem por aí. Mas não porque se acha autêntico ou coisa do tipo, odeia por odiar e bate por bater. Dentre as brigas loucas que envolvem o gordo, há umas bastante famosas, como a do punk playboy, o nazista negro e o black metal que apanhava da mulher. Lembro do Velho Safado e a sua máxima: “(...)o horror é uma gentileza”. Expulsar o que há de bestial no plasma de nosso sangue, bater, apanhar, não há melhor alegoria da vida. Viver é uma estadia no inferno, poeminhas perfumados, diários de magos é o caralho! “A realidade é o maior poema a ser construído”, escreveu o amigo Heautontimoroumenos em um de seus textos, e o gordo escreve seus versos com drogas, chutes, sangue, socos, ossos quebrados e o que vier.


"...Coisas da vida" Kurt Vonnegut