É madrugada, afora o silêncio preenche o vazio inquietante das ruas. A beleza que a noite esconde encontra-se no seu mistério, como se seus lábios encostassem-se a nossas orelhas, mas nada dissesse. De tal modo que cada passo na calçada se torna perigoso, assim, nessa vida tracejada em formas opacas, caminhar revela-se como um ato transgressor. É pôr-se á frente do perigo no momento em que somente as TV’s falam aos ouvidos dos homens, é buscar o silêncio e a insegurança da reflexão. Penso em Jesus e seus dias no deserto, penso naquilo em que as ruas se transformam durante o dia, o palco da guerra do cotidiano, no sangue e no suor que serão derramados, nas pessoas que lotarão os ônibus, nas notícias que serão anunciadas no jornal, nos muros que nos protegem em nossas cavernas, na vida errante dos que se apaixonam, nos sonhos que motivam cada passo nosso e nas vontades destroçadas que definem os sem-esperança, penso nas paixões secretas que me tomam, e no que há escondido nas palavras que ela escreve. Penso no silêncio dos mudos que dizem da vida mesmo sem falar, penso em minhas aflições, naquilo que nunca vou ser. Penso no hiato dos mosteiros... Penso no que as ruas nos dirão amanhã quando acordarem de seu descanso, reiniciando o jogo das vidas fronte as suas possibilidades, penso na esperança que carrega o novo dia e no horror que envolve as expectativas... penso sobretudo na música de Coltrane, que nesse instante me envolve em uma paz nirvânica e indelével com o mundo, numa sintonia com o que há de bom e harmônico nessa loucura toda... Penso em Ginsberg:
“Follow your inner moonlight; don't hide the madness.”