sexta-feira, 10 de julho de 2009

Uma noite


À noite os círculos umbrais revelam seus seres mitológicos: viciados, prostitutas, bêbados, travestis, poetas da sarjeta, apostadores, escritores do submundo. Coadjuvantes da sociedade de plástico - capadócios, fantasmas, marginais. Perto daqui os playboys se amontoam com a cara no prato – pupilas dilatadas, dentes trincados, biritas, som alto, shortinhos e camisinhas meladas. Prefiro meus cigarros e a garrafa de ypióca, prefiro os canteiros mudos dos vagabundos silenciosos. Mas entre fodas, tragos, goles e fungadas, todos se igualam na fuga do torpor, na procura de outros passos no balé da cidade morta. Engrenagens, anestesia, parafusos, carne... o tic-tac das horas insípidas - viver entre os intervalos comerciais, mote dos que habitam o sofá da sala. Versos negros de um poema invisível para a maioria.

Carros vêm e vão. Mais playboys, dessa vez perguntando onde comprar pó, ensino. A sordidez humana não vê os limites entre as castas. Outro carro, um gay querendo ser enrabado – não, obrigado. Tiros ecoam em becos e vielas... A noite fala, vibra, pulsa à olho nu. Aqui não há anjo da guarda, aqui não há Cristo Redentor. Encontro K. em uma esquina escura, compartilho a garrafa. Papo furado, sorrisos, envolvimento, volúpia. A experiência veterana ao abocanhar o meu cacete - cuspe, torções, mordidas, gemidos. Engolidora de líquidos estranhos. Gozo.

- Até mais.

- Tchau.

3:30h da madrugada. Longe, o tom vermelho dos faróis da polícia, nesse lado da cidade todos são vagabundos – zona norte, último trago, último gole, vou pra casa. Bêbado, mais uma vez a briga contra o cadeado do portão, ganho, mas perco pra porta da sala. Deito com os cachorros na área, eles me acolhem. Este é o meu lugar... Este é o meu lugar.


(Imagem: Noite estrelada - Van Gogh)



2 Comentários:

Blogger Caos Rastejante disse...

Os seres mitológicos da noite!! OS caminhos que se cruzam na cidade morta!! O texto tá massa man!! Além do q faz mensão a velha Zn de guerra kkkk

12 de julho de 2009 às 08:31  
Blogger A. Paula disse...

E se formos prestar atenção, mesmo não frequentando tais lugares, somos todos assim. Esse mesmo espírito... é o que nos faz humanos.

Eu realmente gosto da sua forma de escrever. Fato.

29 de julho de 2009 às 18:00  

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial