quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

No fim do dia.


        Aquele era um daqueles dias em que chegaria em casa exausto e desejando somente três coisas: um banho, um copo de café e um boquete. Tudo necessariamente nessa ordem, embora a primeira fosse descartável, caso ela concordasse, é claro. A última, todo homem sabe, é a única coisa capaz de dignificar um dia de merda.
     -  Oi, amor. Falou ao passar pela sala.
      De pronto, ela se pôs a repetir o mantra das últimas noites:
     - Nós precisamos conversar, D. Você não fala mais comigo, não me dá mais atenção, passa o dia inteiro no trabalho e, quando chega, sequer ouve o que tenho pra falar!
      "Isso é porque alguém tem que pagar a porra da conta dos seus cartões!!", gritou o fundo de sua alma... em silêncio.
      - Agora não dá, não tou com cabeça pra isso - respondeu enquanto se indagava o quanto de compaixão é suficiente para motivar um boquete. Foda-se, mulheres não têm compaixão, pensou.
       
       Tomou o banho e o copo de café. Na cama, ela se encolhia no canto, negando a possibilidade de qualquer investida. Pensava no tanto de miseráveis que se igualavam a ele naquele momento e nos tantos outros que pagariam 30 pratas a uma puta só pra ter aquilo que mereciam. Não se trata de sexo, amor, traição ou nenhum desses clichês. Trata-se daquilo que um homem acredita merecer no final do dia. Daquilo pelo qual derramou seu suor para conquistar. Deitou com suas frustrações e os ovos cheios de porra, uma forma cruel de terminar o dia. Lembrou de um filósofo qualquer que dizia que as mulheres não têm limites para a crueldade, pois não a conheceram de perto. Pensou no quanto de verdade havia nisso. Ela sabe que possui algo que ele quer muito. Sabe que ele poderia se resignar numa punheta, mas que jamais seria a mesma coisa. Pensa em se manter firme e falar suas opiniões, talvez dizer algumas verdades, embora saiba que não tem forças pra isso. Ele pondera com a triste visão de saber que aquela é uma guerra da qual jamais poderá ganhar. A queda do homem frente as tentações e os desejos da mulher - o rito mais antigo da história do mundo. Senta na cama e vira para o lado dela:
         - Então, sobre o que você quer conversar, amor?

...

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Rilke (Elegia I)


Embora sem saco para brincar dessa coisa idiota que é escrever. Uma das coisas mais belas já escritas e que deveras inspira as besteiras aqui escritas:

"Quem, se eu gritasse, entre as legiões dos Anjos
me ouviria? E mesmo que um deles me tomasse
inesperadamente em seu coração, aniquilar-me-ia
sua existência demasiado forte. Pois que é o Belo
senão o grau Terrível que ainda suportamos
e que admiramos porque, impassível, desdenha
destruir-nos? Todo Anjo é terrível.
E eu me contenho, pois, e reprimo o apelo
do meu soluço obscuro. Ai, quem nos poderia
valer? Nem Anjos, nem homens
e o intuitivo animal logo adverte
que para nós não há amparo
neste mundo definido. "
                                       Rainer Maria Rilke.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Facebook.

... lázaros catalépticos com suas olheiras negras, corcundas, magricelos insones e tetudos, mãos gordurosas acariciando mouse e teclado: click, alfa números, click, caracteres especiais, números , 0101110 – os resumos binários de uma vida moribunda. curtir, curtir, compartilhar, um, dois, três planetinhas vermelhos... - eu sou bonito, eu sou popular! No quarto, o breu da escuridão entrecortada pelos reflexos do monitor, o sovaco mal cheiroso impregnando o resquício mínimo de vento, o suor pingando sobre a mesa em gotas gorduchas e cinzentas, a mancha de porra na cueca após 1 hora de xvideos... Página inicial – a vitrina da miséria humana: Maria e João em um relacionamento sério, embora João tenha comido a prima de Maria enquanto ela flertava com alguns amigos bonitinhos de João, fotos cheias de sorrisos brancos e brilhantes, poemas, menininhas de short colado na buceta, perfumes e juras de amor, todo amor é “infinito enquanto dura”; põe a roupa nova, mostra o abdômen sarado e o bíceps dilatado pela ADE, faz a prancha no cabelo, procura o ângulo e a iluminação adequada, abre o sorriso: click, photoshop na cara espinhenta, 10 curtidas e vários comentários - eu sou bonito, eu sou popular! piadas sarcásticas, frases de efeito, acidez contra religião, Willie Wonka criticando algo praticado pela maioria, sentir-se sensível pelas criancinhas morrendo de fome na Áfria, ou pela matança injusta de animais. Eu sou irônico, eu sou inteligente, eu sou sarcástico, eu sou ativista, eu sou elitizado, eu curto coisas superiores, eu estou acima da massa, eu sou individual, eu sou sensível, eu sou intelectual, eu sou culto, eu sou sociólogo, eu sou expert em algum gênero musical, eu sou autêntico, eu sou engraçado, eu sou bem quisto, eu sou aceito, eu sou descolado, eu sou superior, eu sou interessante, eu me destaco, eu me visto bem, eu sou correto, eu sou cristão, eu sou ateu, eu tenho as opiniões corretas...

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Na cozinha.


Acendeu um cigarro e colocou uma xícara de café. A cada gole dava dois tragos. O calcanhar batia acelerado no chão, o cotovelo esquerdo na mesa e a mão agarrando a testa, típico de quem tá impaciente. Observava a mesa ainda por limpar como se tentasse apagar os próprios pensamentos. Sabia que estava apaixonada, talvez até arriscasse afirmar que o amava caso soubesse o que é o amor. Mas estava com M. já fazia algum tempo, embora por ele não sentisse a mesma coisa, eles já possuíam algum tipo de história, além de que ele tinha um emprego, uma perspectiva futura mais ampla. Enquanto o outro, que lhe roubava os pensamentos e a quietude naquele instante, não tinha a mesma coisa, só os elogios e o jeito carinhoso de olhar pra ela, de fazê-la especial nos instantes mínimos. Por que o amor erra? Era o que ela se perguntava.

- Acho que estou apaixonada por outro rapaz, mãe. – revelou.
- É mesmo, filha? – respondeu como se não soubesse.
- Eu acho que o amo... mas não tenho certeza se isso é o suficiente...
- Só o amor às vezes não é o suficiente.
- Mas isso não deveria ser o ideal de todo ser humano? O sentimento mais nobre? A razão primordial de toda e qualquer relação? – gritou em desespero.
- Existem várias razões pra se manter uma relação, filha. Amor? Talvez seja a menor delas. – com um olhar vago, respondeu a mãe ao lavar os pratos.

(Imagem: René Magritte - Os Amantes)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Absu

Com quantos abismos se faz um homem? E uma vida? Talvez todos os que valeram a pena. Não sei, não sei. Atiro-me em todos, jamais hesito. Não se trata da dor do choque com o chão, trata-se da queda, do frio na barriga que nos consome e nos lembra por um instante que somos humanos, que somos vulneráveis, que estamos sujeitos a virar uma esquina qualquer. Penso que prudência vai de encontro ao que a vida delineia, ao curso anômalo e sem sentido das coisas no mundo. Se pudesse, beberia a vida em um único gole.

"Do not go gentle into that good night
Rage, rage against the dying of the light
" Dylan Thomas

domingo, 8 de janeiro de 2012

Ode ao 03.

...na roleta, a gárgula barroca feita de banha e osso. O shortinho jeans sublinhando celulites e veias varicosas, a blusinha branca cobrindo apenas metade da barriga, a outra revelando o piercing róseo no umbigo. Dois, três meninos em cada braço. Suor, choro, fungadas, soluço, língua lambendo a boca pra limpar o catarro. Ela senta, as crias se aninham em seu entorno. Passo direto para o fundo do ônibus, consigo sentar, primeiro sinal de esperança da rotina diária. Ônibus lotado. Não se demora até que o cheiro quente de uma boa bufa lhe ourice os ríspidos pêlos nasalares. Do meu lado, o comentário sutil e educado: - Cagaram nessa porra! Rio em silêncio. 07h10 da manhã, o cheiro de cana rasga o último resquício da brisa matutina e enobrece o ambiente. – Tá afim, boy? Recuso, mas me sinto lisonjeado. O café da manhã dos campões não é digno de qualquer um. Gatinha, você gosta mais de red label ou ice? O pinta liga o celular e quebra a esfera melancólica. As piriguetes se denunciam balançando o joelho. Hora de descer, puxo a corda e peço parada. Mais uma vez a batalha até a porta de saída. Braços, pernas, sovacos, empurrões e dedadas – levo umas, mas dou outras. O toma lá da cá da vida em sua expressão mais precisa. Evito, mas encoxo tudo aquilo que me cabe. Não existe pecado num ônibus lotado. – Licença, licença. – Vai descer, pé de chumbo! Desço. Mãos nos bolsos. Celular e carteira em seus respectivos lugares. Mais um dia de bênçãos, mais um dia de bênçãos...

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Um pouco de música:








"He was Dylan Thomas, he was Woody Guthrie... He was Bob Dylan..."